Inclusão e acessibilidade: nova geração do SAJ MP é totalmente acessível para PcDs
Dados levantados em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que existem pelo menos 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência (PcDs) no país. Esse número representa quase 25% da população que necessita de inclusão e acessibilidade.
Ainda segundo o IBGE, há no Brasil mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual. Dessas, 582 mil são cegas e 6 milhões possuem baixa visão. Ainda assim, o percentual de PcDs no mercado de trabalho corresponde a menos de 1%.
Na Justiça, 2,5% de servidores são pessoas com deficiência. A informação é do Censo do Poder Judiciário, realizado pela última vez em 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entre esses servidores, 58% são deficientes físicos, 24% visuais e 17% auditivos.
A trajetória do promotor do Ministério Público da Bahia (MPBA) Fernando Gaburri já dá uma ideia de como são poucas as pessoas com deficiência em funções formais. Inclusive no ecossistema da Justiça.
O membro do MP baiano é deficiente visual no grau de cegueira. Sua posse como Promotor de Justiça ocorreu em janeiro de 2020. Antes, atuava como Procurador do Município de Natal (RN). Além disso, Gaburri possui uma extensa carreira acadêmica, com títulos de mestre e doutor, atuando ainda como professor universitário. Ao tomar posse como membro do MP, tornou-se o segundo deficiente visual a assumir um cargo de promotor no Brasil.
Esses fatos corroboram com o quanto a inclusão e a acessibilidade de pessoas com deficiência no ambiente de trabalho é relevante para que haja equidade. Algumas empresas que desenvolvem softwares para o ecossistema da Justiça, como a Softplan, já envolvem equipes multidisciplinares na elaboração de soluções capazes de atender às necessidades de PcDs no segmento jurídico. Com isso, buscam contribuir para romper as barreiras de inclusão e acessibilidade muitas vezes impostas aos profissionais PcDs.
Multidisciplinaridade é a chave da inclusão e da acessibilidade do SAJ MP
O Sistema de Automação da Justiça para Ministérios Públicos (SAJ MP) é um exemplo de software que contém a acessibilidade na concepção da sua arquitetura. “Ouvimos que seria impossível implementar a acessibilidade no SAJ. Mas isso foi feito, e por profissionais que compreendem como dispor de um sistema acessível pode impactar no trabalho de servidores com deficiência”, recorda o desenvolvedor de software Guido José Warken Filho, uma das pessoas com deficiência visual à frente do projeto de acessibilidade do SAJ MP.
A experiência e o conhecimento de profissionais PcDs no desenvolvimento do Sistema faz com que a acessibilidade do SAJ Ministérios Públicos vá além e não se limite à criação de painéis acessíveis. “A acessibilidade do SAJ está, na verdade, no core do Sistema”, afirma Guido.
De forma análoga, significa que todos os códigos desenvolvidos para tornar o SAJ acessível às Pessoas com Deficiência constam no “coração” do Sistema. Isso quer dizer que sempre que é preciso tornar algo acessível no SAJ Ministérios Públicos, basta recorrer ao core para obter o código para implementar a acessibilidade no SAJ MP.
A Softplan desenvolve esses códigos desde 2020, ano em que a mais nova geração do SAJ começou a ser implementada. Antes disso, quem supria a necessidade de acessibilidade ao Sistema era o SAJ Acessível, idealizado por Marcelo Rocha de Souza.
Como analista de testes, Marcelo identificou uma oportunidade: a de contribuir para que os servidores com deficiência tivessem condições de evoluir na carreira jurídica de forma equânime. Atualmente, ele é designer de produto na Softplan e mais um dos profissionais com deficiência visual que atuam na inclusão e na acessibilidade do SAJ MP.
Guido e Marcelo, com a parceria da analista de testes Priscila Dalcomuni de Lima, que também é deficiente visual, estão usando suas experiências para dar ao Sistema de Automação da Justiça o suporte necessário para que seja um sistema completo para atender às necessidades de promotores, procuradores, assessores e estagiários com deficiência.
SAJ MP é um sistema completo também para pessoas com deficiência
São vários os componentes desenvolvidos para tornar o SAJ, como um todo, acessível. Um desses elementos é a otimização de leitor de tela. Ela faz com que, por exemplo, seja dado um aviso sonoro na finalização do carregamento de uma imagem. “Cada detalhe faz a diferença”, comenta Priscila.
O leitor de tela precisa decodificar toda a informação que consta no Sistema. Depois disso, fazer a leitura corretamente para que os usuários PcDs visuais entendam bem o contexto. “Há um trabalho criterioso com relação à semântica no HTML do SAJ MP quanto ao significado das palavras e a interpretação destas pela linguagem utilizada no desenvolvimento do Sistema”, explica o desenvolvedor Guido José Warken Filho.
Todo esse trabalho é para que as pessoas com deficiência compreendam de maneira rápida e fácil as informações que geralmente são corriqueiras para pessoas sem deficiência, como número de processo e ícones na tela.
Os atalhos no teclado são desenvolvidos com esse mesmo objetivo. Assim é mais simples para os servidores PcDs trabalhar com o editor de documentos do SAJ MP e localizar, por exemplo, o título de um documento, sua categoria, o processo a que está vinculado, entre outras informações.
De acordo com Priscila, ter essa acessibilidade na navegação pelo Sistema permite ao promotor, procurador ou outro agente do Ministério Público com deficiência saber exatamente o que está acontecendo enquanto desempenha suas funções, em tempo real.
Um exemplo é quando o usuário faz uma consulta pelo número do processo. O leitor de tela informa na sequência quantos processos foram encontrados em função dessa consulta.
Também foi desenvolvido para o SAJ um componente de autocompletar, que facilita a digitação. Esse elemento, a cada vez que o usuário inicia a escrita de uma palavra, faz surgir na tela algumas sugestões de palavras relacionadas às letras já tecladas. “Trata-se de sugestões pré-programadas que desenvolvemos, testamos e implementamos para deixar o SAJ MP ainda mais acessível”, explica Guido.
Fluxo de desenvolvimento garante a inclusão e a acessibilidade do SAJ MP
Como ninguém faz nada sozinho, há uma equipe de Experiência do Usuário (UX, sigla em inglês para User Experience) igualmente preocupada com a inclusão e a acessibilidade do SAJ MP. É a equipe da qual o designer de produto Marcelo Rocha de Souza faz parte.
Essa união de profissionais é o que possibilita entender, de forma mais clara, as necessidades de quem conta com o Sistema de Automação da Justiça para executar as atividades profissionais no dia a dia. Também é o que permite criar novas soluções de inclusão e acessibilidade. “É um trabalho muito importante”, destaca a analista de teste Priscila Dalcomuni. “Além disso, é um trabalho colaborativo”, reforça Marcelo.
Segundo o designer, disponibilizar sistemas com acessibilidade, a exemplo do SAJ MP, é uma preocupação forte da Softplan. “Estamos tornando o produto acessível tanto para quem tem baixa visão, dislexia, daltonismo e outras limitações cognitivas ou físicas”, acrescenta.
Marcelo atua ao lado de Maurício Sá Peixoto e Felipe Genuíno para que o Sistema de Automação da Justiça para Ministérios Públicos seja desenvolvido conforme as melhores práticas de inclusão e acessibilidade. “Queremos que o fluxo de informações dentro do Sistema seja facilmente compreendido, sem qualquer ruído, pelo leitor de tela”, comenta Felipe, também designer de produto e o único do projeto com visão total.
Para chegar a esse resultado, o trio de designers levanta, primeiro, as hipóteses de uso do SAJ MP. Na sequência, determina a melhor forma de o usuário utilizar e navegar pelas informações do Sistema. Feito isso, entra em cena a equipe de Design de Interface (UI, sigla em inglês para User Interface).
A missão dos profissionais de UI é deixar a informação com a semântica mais adequada para o leitor de tela. Desenhada a interface para que os usuários PcDs tenham a mesma experiência das pessoas com visão total, é hora de partir para o desenvolvimento e, posteriormente, para os testes, executados por Guido e Priscila, respectivamente.
De acordo com Maurício Sá Peixoto, todo esse processo permite que a inclusão e a acessibilidade sejam planejadas desde o início. “Acontece muito de se deixar a acessibilidade para depois. Nesses casos, primeiro é feito o desenvolvimento. A programação e os testes seguem o fluxo tradicional, garantindo que uma série de situações seja evitada desde o começo, o que evita retrabalho e transtornos aos usuários do Sistema”, afirma.
SAJ MP atende às recomendações globais de inclusão e acessibilidade
O fato de haver um fluxo que pensa a inclusão e a acessibilidade desde antes do desenho da interface do SAJ MP faz com que o produto seja entregue para os usuários em conformidade com as Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web (WCAG, sigla em inglês para Web Content Accessibility Guidelines).
“É fundamental que o produto seja acessível desde o início para todos os usuários, independentemente de esse usuário ser PcD ou não. Esta é, aliás, uma recomendação global”, menciona Maurício.
São diversos os critérios que determinam como deve ser um conteúdo acessível. É preciso elaborar desde atalhos no teclado, como os existentes no SAJ Ministérios Públicos, à descrição de imagens e taxas de contraste, entre outros requisitos. “Isso garante que qualquer pessoa consegue usar o SAJ MP e que a solução não se limita a um único tipo de usuário”, reforça o designer de produto Maurício Sá Peixoto.
Os atalhos no teclado, por exemplo, permitem que a navegação pelo Sistema para usuários com deficiência seja tão rápida quanto a das pessoas sem deficiência. Já o cuidado para que todos os textos e ícones estejam contextualizados quando o mouse passa em cima deles garante que haverá o mesmo entendimento das pessoas com visão total e que tenha boa cognição por quem não detém acuidade visual ou alta capacidade cognitiva.
Felipe Genuíno cita como exemplo a questão da data. “Uma pessoa com total capacidade visual, ao ver escrito 25 Fev, entende que aquele é o dia em que o processo foi concluído. Agora, não faz sentido um leitor de tela ler ‘vinte e cinco fev’. O ideal é que ao passar o mouse pela data presente no processo que está dentro do SAJ MP, o texto seja lido por extenso: ‘data de concluso vinte e cinco de fevereiro de dois mil e vinte e um’”.
Ainda conforme o designer de produto, proporcionar inclusão e acessibilidade no SAJ MP é um trabalho contínuo. Nunca pode parar. “São muitas as pessoas beneficiadas por isso. É algo que vai muito além da obrigatoriedade da legislação”, reitera Maurício.
Além do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015) e de decretos federais, há uma Resolução do Conselho Nacional de Justiça (Resolução CNJ nº 230/2016) que determina que todos os sistemas do Judiciário devem ser acessíveis às pessoas com deficiência.
Na nova geração do SAJ Ministérios Públicos, os usuários podem contar com um Sistema desenvolvido por uma equipe fascinada por acessibilidade. “Sempre ouço o quanto a acessibilidade é apaixonante, pelo benefício que gera para as outras pessoas”, conta Maurício Sá Peixoto.
Foi exatamente o que aconteceu com Felipe Genuíno. “Eu me senti útil ao ver que o que eu estava desenvolvendo realmente contribuía para melhorar a qualidade de vida no trabalho de uma pessoa com deficiência. Trabalhar com esse sentimento é bem satisfatório”, expressa o designer de produto. “Nem é preciso fazer nada demais. Apenas desenvolver um código com a semântica correta”, conclui.