Artigo: Quem tem medo da tecnologia jurídica?
2070. Carros não existem mais, a não ser abandonados pelas ruas das superfícies. As cidades cresceram verticalmente e de forma vertiginosa. O transporte se dá através de máquinas voadoras.
Os prédios têm acessos múltiplos através dos andares, cuja luz destaca as entradas na noite escura. Da mesma forma, a comunicação visual se espalha em painéis, igualmente colocados próximos aos pontos de acesso, iluminando parcamente os prédios de aço com um brilho azul. Pessoas são ligadas a máquinas que possibilitam ampliações de suas capacidades físicas e psíquicas.
A fala é quase integralmente substituída pela comunicação através de dispositivos implantados. Consciências conectadas permitem acordos de vontade e discussões silenciosas através do dia, com criações sendo registradas tão logo são idealizadas.
Um futuro distópico, sim. Não muito diferente das criações de Willian Gibson, Philip K. Dick, Aldous Huxley, George Orwell e tantos outros.
No futuro distópico imaginado pela maioria dos advogados, o foco não está em carros voadores ou pessoas conectadas a máquinas. Está na substituição do advogado por um robô.
Sinto muito, colegas. Mas esse futuro distópico não ocorrerá.
O medo de o advogado ser substituído (ou subtraído) de uma sociedade não é novidade. O próprio filme De Volta para o Futuro 2 já brinca com a possibilidade de advogados serem excluídos do judiciário (o que, no filme, gera um processo mais rápido). Mas qualquer um que compreender a real ação de um advogado não se deixa levar por esses medos.
Diante de um mercado fervilhante de lawtechs, esse medo acaba gerando neo-ludistas que, ao não compreender a real ação de uma empresa de tecnologia voltada ao Direito, prefere destruí-la a ver todos os potenciais para os operadores do Direito.
Temer o futuro pode ser uma constante humana, porém não pode impedir a inovação. Afinal de contas, em algum momento os médicos temeram ser substituídos por máquinas de diagnóstico por imagem? Sem dúvida, uma máquina de tomografia não substituirá um médico.
Por que, então, uma solução tecnológica substituiria o advogado?
É inegável que o tempo gasto pelo advogado nem sempre envolve atividades de criação. Não é difícil medir quanto tempo é de fato produtivo e, desse tempo produtivo, quanto tempo é investido em funções que envolvem o uso da inteligência e capacidade de raciocínio jurídico do profissional.
Mesmo quando é possível medir e encontrar o tempo produtivo, quanto deste é gasto em atividades simples e rotineiras, como petições para prover informações ao juízo ou pedir providências?
Quanto tempo sobra para visualizações avançadas sobre seus materiais de estudo, ou ainda sobre os dados dos seus processos, para a criação de soluções jurídicas para os problemas reais dos clientes? Fazê-lo “analogicamente” não é uma tarefa fácil. Ter um aliado tecnológico para ampliar seus potenciais não é, de forma alguma, diminuidor dos méritos do advogado. Porém, aparentemente os medos levam à imagem de um traidor, desertor, que abandona as antigas artes jurídicas.
Gestão voltada à tecnologia traz resultados
O que falar, então, da experiência do TJAM, que conseguiu superar 100% das principais metas de produtividade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no fim do ano passado, porque preocupou-se em ter uma gestão voltada para a tecnologia?
Os envolvidos nesse resultado teriam abandonado o Direito? Ou somente entenderam como aplicar a tecnologia no Judiciário poderia fazê-los julgar mais processos do que o número de distribuídos no ano?
Na prática do TJAM, foi possível identificar, em um universo de 300 mil processos pendentes de julgamento, quais são passíveis de vinculação a algum precedente.
Um trabalho estimado em 85 mil horas, caso fosse executado por 50 pessoas trabalhando full time, pode ser realizado em 1% do tempo em função do uso de Inteligência Artificial.
Se ao menos fosse visto que as lawtechs querem exatamente isso, ou seja, que o advogado tenha mais poder para a criação! Se ao menos fosse compreendido que o objetivo é transformar o advogado em peça essencial e evidente! Mas enquanto a visão é míope e o medo impera, o advogado mantém-se nessa posição de “replicador de processos”, “gasto necessário”, “barreira”.
Para os que ousarem pensar em um futuro bom, lawtechs estão por aí criando uma nova realidade para o advogado e transformando-o em ponto crucial para a sociedade e para uma justiça mais efetiva.
Na mídia
Este artigo foi destaque no jornal Estadão.
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